segunda-feira, 12 de março de 2012

Escritora chinesa Xinran Xue

Xinran é uma mulher de 50 anos que vive entre vários mundos. Jornalista chinesa, ela cresceu sob a Revolução Cultural, tornou-se a primeira "conselheira sentimental" do país no fim da década de 1980 e migrou para a Inglaterra em 1997, onde passou a escrever para o jornal britânico "The Guardian". Suas colunas, que buscam traduzir a China para o ocidente, foram reunidas em "O Que os Chineses Não Comem" (Companhia das Letras).

Reprodução
Livro reúne histórias dos costumes dos chineses publicadas no jornal britânico "The Guardina"
Histórias dramáticas de meninas tomadas à força como esposas, deixadas ao relento recém-nascidas, culpadas por não engravidar sem saber que, para isso, teriam de fazer sexo com seus maridos formam um dos núcleos principais do livro. Muitas vieram da experiência de Xinran em seu programa de rádio, transmitido na China da "abertura" de Deng Xiaoping. Desse contato com os ouvintes nasceram também os dois outros livros da autora, "As Boas Mulheres da China" e o romance "Enterro Celestial". 

As colunas de "O Que os Chineses Não Comem" foram publicadas entre 2 de junho de 2003 e 9 de setembro de 2005, e testemunham também as surpresas de Xinran com a velocidade das mudanças na sociedade chinesa. Para além dos fatos, que muitas vezes assombram, há o modo de contar da jornalista, carregado de herança oriental, a começar pelo resumo que precede cada texto, já com gosto de fábula.

Pequenos apólogos, historietas que parecem suspensas num tempo distante, pontuam as experiências na China e na Inglaterra. Exemplar desse modo de pensar é o texto em que ela mostra como "os peixes servem para explicar a vida", e que inclui um curioso brinde feito por homens chineses para descrever as mulheres: "Amantes são peixe-espadas: saborosos, mas com ossos cortantes; secretárias particulares são carpas: quanto mais você as 'cozinha em fogo lento', mais sabor elas têm; as esposas dos outros são baiacus japoneses: provar um bocado pode ser o seu fim, mas arriscar-se à morte é um motivo de orgulho; as próprias esposas são bacalhau salgado: conservam-se por longo tempo; quando não há outro alimento, o bacalhau salgado é barato e conveniente, e complementa uma refeição com arroz". 

A política do filho único e as meninas chinesas adotadas por ocidentais, mães superprotetoras temerosas por seus filhos que vão para a universidade no ocidente, a (falta de) autoconfiança dos chineses, o apreço por tudo que é estrangeiro num país que se transforma vertiginosamente, experiências gastronômicas e até futebol, além de arte, sexo e política permeiam as colunas. 

É difícil, mas também bonita e delicada, a tarefa de Xinran. Nas coisas mais simples, como quando é surpreendia ao notar que continua usando meias compridas no verão - um hábito chinês que denota a boa origem da mulher -, ela detecta a impossibilidade de explicar seus costumes para os ingleses, e os dos ingleses para os chineses.

Mais ainda, Xinran tem consciência de que a China em que viveu ao mesmo tempo persiste e desaparece diante de seus olhos a cada visita que faz ao país. É assim, entre uma China que foi, é e será, e uma Inglaterra que se torna cada vez mais sua, que Xinran exercita esse ofício imperfeito de tradutora de culturas, chamando atenção para as pontes possíveis e para os vãos que se formam no caminho.
Fonte: Entretenimento.uol.com.br

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